O Bloco da Girafa – Lembranças de um fundador

Em 1973, o Bloco da Girafa desfilando na Praça Cel José Brás, em São João Nepomuceno (Foto: Arquivo família Zé da Venda)
Nossa equipe foi recebida na residência do sr. Adilson Luis de Azevedo “Ratinho”, de 77 anos de idade, na Rua do Carmo, Santa Rita para uma entrevista e revelações de lembranças antes não registradas. 

Sr. Adilson "Ratinho", entrevistado para matéria (Foto: Márcio Sabones)
Ele é um dos fundadores e 1º presidente do Bloco da Girafa que começou a fazer parte do carnaval de São João Nepomuceno, no início dos anos 60, próximo a data de fundação da Escola de Samba daquele bairro, o Esplendor do Morro (1963). 

Logo na primeira pergunta a polêmica. Em que ano a Girafa desfilou pela primeira vez? Segundo a atual diretoria do bloco, a informação que em 1961 seria o início dos desfiles, sendo assim, dois anos antes da fundação do Esplendor, mas para o sr. Adilson a informação é que a Girafa veio depois do Esplendor, em 1964 com as crianças e 1965 com a inclusão dos adultos. 

O fato é que a primeira vez que o bloco da Girafa desfilou foi por intermédio de crianças e adolescentes que brincavam no bairro, nas imediações onde hoje temos o Esplendor do Morro e daí eles confeccionaram uma "girafinha" de papelão, colocaram máscaras e “desceram o morro” para brincar o carnaval nas ruas do centro da cidade.
Bloco da Girafa na Rua Fortes Bustamantes, em São João Nepomuceno lado do trilho do trem em 1972 (Foto: Arquivo família Zé da Venda)
“Na época, em São João existiam dois blocos que eram rivais, o Bloco da Vargem Grande e o Bloco do Girassol (Bode). Quando os meninos daqui do morro chegaram na Praça Dr. Carlos Alves deram de frente com os foliões do Bloco da Vargem Grande. Achando que os meninos eram do bloco do Bode, a turma da Vargem Grande correu atrás deles até a esquina dos Correios e foram ponta pés, tapas e os meninos voltaram assustados para cá. Naquele tempo, entre esses meninos o “Bengozinho”, o Derli, o “Leitão” que hoje mora no Beco das Flores, entre outros. Ficamos revoltados com o que aconteceu, e no ano seguinte, todos os moradores da Santa Rita participaram do desfile daquela Girafa de papelão. Tinha muita gente, as mulinhas que já eram tradicionais também em outros blocos da cidade faziam a guarda na frente do nosso. Eles usavam um “porrete” que era feito de bexiga de boi que na época buscávamos no matadouro e colocávamos para secar. Elas ficavam firmes e não rasgavam. Mesmo com os adultos no bloco, ainda tiveram olhares atravessados e quase uma confusão na praça Dr. Carlos Alves, quando encontramos com o pessoal do bloco da Vargem Grande, mas todo mundo desfilou naturalmente. Lembro que tinham também muitos mascarados, além é claro da farra do Gilson Duro, o toureiro que arrancava aplausos com suas sapequices”, explicou. 

O toureiro Gilson Duro no Bloco da Girafa em 1971 (Foto: Arquivo família Zé da Venda)
Gilson Duro foi um dos símbolos da alegria do bloco e desfilava na tentativa de domar um boi caracterizado e vestido por foliões. O folclórico Gilson fez seu último desfile na Girafa no ano de 2015, com 88 anos de idade. Em 2016, depois de uma queda em casa, Gilson ficou impossibilitado de desfilar e diante da agravante situação de saúde morreu meses depois, aos 89 anos.

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Sobre o trajeto da Girafa, sr. Adilson explicou. “ Era muito bom, desfilávamos por toda a tarde na cidade. Passávamos pelo calçadão, Rua Nova, Rua do Sapo, Rua do Descoberto, Avenida, praças, onde dava pra passar estávamos lá. Em seguida, organizamos a Girafa e fui o primeiro presidente. Com o apoio dos moradores do bairro e amigos começamos a fabricar bichos para levar nos caminhões, como a Girafa, bois, jacaré e outros mais. Eu lembro que eram muitos bichos (risos)”, lembrou Adilson que ainda mostrou o estatuto do bloco, registrado em cartório. 

Grupo infantil no Bloco da Girafa, no início da década de 70 (Foto: Arquivo família Zé da Venda)
Citando inclusive as cores oficiais da Girafa, preto e vermelho. O entrevistado ainda disse que no início a Girafa desfilava em três dias (domingo, segunda e terça) e questionamos a causa daquilo.

“Porque a gente gostava de pular carnaval. Ir para a rua brincar todos os dias era muito bom. Não tinha essa preocupação de hoje, mesmo com as briguinhas de blocos como disse antes, mas tudo era saudável. A medida que o bloco ia crescendo, pois também passou a ter participação de são-joanenses de diversos bairros e turistas, nós tivemos a ideia de fazer um livro de ouro. O “Zé da Venda”, o “Turumbamba de Ângola”, o baluarte da história da Girafa, incentivador e também fundador disse. – Vocês estão loucos? Livro de ouro quem faz é o Esplendor, a Avenida. Onde já se viu um bloco fazer isso? Fizemos o livro de ouro e deu certo. Tínhamos por exemplo, empresários como o sr. Orozimbo Rocha e o Sebastião Carlos Leito, entre outros que ajudavam muito. Era engraçado, pois o que um dava, o outro logo sabia e contribuía com o dobro do valor (risos). O Turumbamba aplaudiu nossa ação e daí pra frente passamos a comprar os instrumentos da bateria, materiais para a montagem de carros e bichos e bonecos”. 

Bar do "Zé da Venda, o Turumbamba de Ângola" foi carro alegórico no Bloco da Girafa na década de 70  (Foto: Arquivo família Zé da Venda)
E a bateria, marchinhas e a caipirinha? Perguntamos. “Sempre tiveram marchinhas e bateria acompanhando para animar o bloco. No início, nós preparávamos uma caipirinha aqui em casa para distribuir para os foliões depois do desfile. Não era muita coisa, mas fazia a festa deles. A distribuição de bebida na rua começou quando no início da década de 70, se não me engano, fizemos uma homenagem ao bar do Zé da Venda, e montamos um bar em cima de um caminhão. O Zé ficou entusiasmado e distribuiu picolé para criançada e caipirinha para os adultos. Daí pra frente não parou mais. Já na década de 80, a Nely Gonçalves compôs uma marchinha. “O boi que dava leite em fevereiro”. Procuramos na zona rural uma cabeça de boi, antes era comum algumas penduradas nas entradas de fazendas e conseguimo. Então montamos um boi e no pênis dele, uma mangueirinha com uma torneirinha para um “leite de onça”. Aquele boi veio num carro e foi um sucesso. Diversas moradoras do bairro prepararam leite de onça para distribuir, e isso era muito importante, a força da Girafa, a participação do povo da Santa Rita. Quando o Collor venceu a eleição para presidente, nós compramos duas máscaras, uma dele e outra do Sarney, o antecessor. Fizemos um bonecão de duas cabeças com quatro braços e quatro pernas e duas mangueirinhas saindo bebida para os foliões. E daí gritávamos. Quer xixi do Collor ou do Sarney? (risos), aí já era caipirinha. Sempre tentávamos trazer algo novo e engraçado, o povo ficava aguardando. Mas também tivemos momentos difíceis, de quase o bloco não desfilar e uma mudança radical. Ele não iria concentrar na Santa Rita e ir para o Caxangá, pois haviam pessoas interessadas em assumir, mas nos juntamos de novo e ele sempre ficou aqui no morro”. 

ÚLTIMO DESFILE DO BLOCO DA GIRAFA - CARNAVAL DE S.J.NEPOMUCENO 2016

O bloco da Girafa já teve diversos pontos de concentração para iniciar os desfiles. Rua do Carmo, em frente ao bar do Zé da Venda (Turumbamba de Ângola, Rua Rubens Sachetto, Rua Presidente Kenedy, Rua Cel José Mendes, Praça da Igreja Santa Rita e atualmente vem concentrando em frente onde existia o bar do Zé da Venda. Adilson ainda lembrou do forró da Girafa. “Quando chegávamos em desfile na Praça da Estação, tínhamos sanfoneiros que faziam o arrasta pé por lá. Aí era uma festa, as mulinhas, os bonecos e todos dançavam e ali fechávamos. 

Adilson "Ratinho" participou do carnaval do bloco até meados dos anos 90, e ao final da entrevista agradeceu a nossa reportagem e do importante registro de uma história rica em alegria, folclore e amizade.

































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